domingo, 9 de outubro de 2011

CÍRIO CABANO
André Costa Nunes
www.terradomeio.com.br


Paraense, ateu. Filosoficamente, materialista. Devoto de Nossa Senhora
de Nazaré. Este último atributo, no mês de outubro, transcende os
demais. É inerente ao ser paraense.

Durante algum tempo, no auge do obscurantismo ideológico da juventude,
ainda tentei renegar, mas romântico inveterado, há muito deixei de
remar contra a maré. Mergulhei de cabeça no paraensismo, o que não
existe sem açaí, tacacá, Ver-o-Peso, marés, rios e ilhas. Canoas e
torço nu. Sem camisa. Sem a devoção à Virgem de Nazaré.

E isso tudo, à imagem do próprio Rio Amazonas, como em um caudal,
deságua em Belém, no segundo domingo de outubro. A colossal procissão
do Círio, com milhares, fala-se até em milhões de romeiros, diz-que,
começa na catedral da Sé e termina cinco ou seis quilômetros depois na
Basílica de Nazaré, mas um olhar atento vai além.

Vê que a romaria começa em cada furo, rio, igarapé, ilha ou beiradão.

Canoas, ubás, caxiris, barcos, a motor, vela ou remo. Começa nas
palafitas e barrancos. Nos quintais das cidades, no porco cevado, no
patarrão, no ralar da mandioca, no tipiti, e no moer da folha de
maniva. Matéria prima para o almoço do Círio. Maniçoba e pato no
tucupi. Farto e generoso. Para a família, para os amigos, e quem mais
chegar.

Começa no vestido de chita com babados, decote comportado e
comprimento a baixo dos joelhos. Calça e camisa de manga comprida,
novas, as únicas mudas de roupa compradas no ano, mas estreadas no Dia
da Festa. Sapatos, sandálias, baixas ou de salto, tênis?
Nenhum. Acompanhar o Círio de Nazaré se vai descalço. Naturalmente.

Começa com banho-de-cheiro. Vinde-cá, priprioca, patichouli, orisa,
pau-cheiroso, chama, pau-rosa, catinga-de-mulata. E se vem de todos os
cantos do Estado Pará que em outubro se transmuda para além das
fronteiras geopolíticas. Invade o Maranhão, o Amazonas, o Amapá. É
como se fosse o Estado de Nossa Senhora de Nazaré. Esse é o núcleo
central tangido pelas águas, senhora de todos os destinos.

Essa é a procissão cabana de antes da estrada, do asfalto, do ônibus,
do avião, do arranha-céu, do apartamento, do estacionamento proibido.

Essa nova tribo do fast food também é bem-vinda. Por adesão, é claro,
afinal, no manto da Virgem e no coração cabano há sempre espaço de
sobra. Apenas há que aderir ao espírito secular do Círio. Ficar
mundiado pelo bom e pelo bem. Sentir-se igual. Caminhar descalço.

É por tudo isso, pelo peso dessa enorme bagagem da cultura paraense,
que, todos os anos, quando passa a berlinda da santa, este velho
comunista se emociona e chora.

Um comentário:

  1. Não sou cristã,mas como diz o Poeta é inimaginável a magnitude do Círio de Nazaré, há uma energia tão positiva no ar que devemos até medir as palavras à serem pronunciadas, pois elas têm força, e tudo que pronunciarmos fatalmente acontecerá, portanto digo aqui apostando em tamanha força, Senhora.... não permita a divisão do nosso Pará.
    Helena Bemerguy

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