Diplomacia sem medo
Guilherme
de Aguiar Patriota
A
mania de diminuir o Brasil só pode ser medo de um país grande dar certo, o que
em muitos aspectos já está acontecendo.
O
derrotismo encontrou até acolhida teórica na formulação de que o país “não
possui excedente de poder” e, portanto, não pode aspirar a objetivos fora do
fácil alcance das mãos.
Essa
tese predestina o quinto maior país do mundo – hoje sexta economia – a um
desígnio de perpétuo alinhamento aos mais fortes, numa versão diplomática do
mal-afamado complexo de vira-lata.
Verificamos
ser necessário que uma estrangeira (Julia Sweig, do Conselho de Relações
Exteriores dos EUA) nos ajude a interpretar de forma mais sofisticada e, ouso
dizer, positiva, o episódio da suspensão do Paraguai do Mercosul e da
incorporação da Venezuela ao bloco. Esta última iniciativa vinha se arrastando
por vários anos. Os termos da acessão já haviam sido negociados e firmados no
mais alto nível pelos chefes de Estado dos quatro membros do Mercosul e do país
entrante. A plena incorporação da Venezuela ao Mercosul – não custa lembrar
-foi ratificada pelos poderes legislativos dos países que ainda conservam sua
plenitude democrática intacta no âmbito do agrupamento subregional.
A
angústia antecipatória com o êxito também se voltou contra a Rio+20, declarada
um fracasso ab initio por exército de “especialistas”, muitos querendo acoplar
à maior conferência da história das Nações Unidas suas respectivas agendas
políticas paroquiais.
Pouco
importa o fato de a organização do evento ter sido impecável. Foram 17 mil
inscritos na Rio-92; 48 mil na Rio+20 – eventos de dimensões incomparáveis.
O
resultado espetacular para padrões da ONU não parece encontrar eco entre
aqueles que apostavam ideologicamente no fracasso. O país anfitrião convenceu
(não pela força ou malícia, mas pelo talento de seus diplomatas) 192 Estados
membros a aprovarem por aclamação um documento de 49 páginas, 283 parágrafos,
que versa sobre praticamente todos os temas da agenda internacional. Não se
produziram tratados. Mas, para quem lida com o multilateralismo, uma visão de
futuro consensual vale mais do que compromissos pontuais juridicamente
vinculantes.
O
Brasil incorporou ao consenso sua visão de como estabelecer um círculo virtuoso
entre crescimento econômico, inclusão social, e proteção do meio ambiente.
Muitos franziram a testa porque o documento não consagrou o caminho das
“soluções de mercado”. Não se criou mais um fundo assistencialista, ou uma nova
agência especializada da ONU – como se resolvessem.
Finalmente,
temos os órfãos dos acordos de livre comércio assimétricos, utilizados para
promover a abertura unilateral de mercados em países em desenvolvimento. A
obsessão por tais acordos não está em sintonia com o mundo pós-Lehman Brothers,
sujeito a manipulações cambiais, a afrouxamentos quantitativos trilionários e
ao protecionismo do mais forte.
Surpreende
que ainda existam pessoas que prefiram reduzir tarifas a reduzir pobreza. Na
atualidade da crise, os regimes de comércio têm de levar em conta equilíbrios
mais amplos de fatores. É necessário pensar em integração de cadeias
produtivas, geração de demanda e empregos, segurança alimentar e energética,
acesso à tecnologia e ao conhecimento, produtividade e sustentabilidade. É
preciso entender que o dinamismo econômico migra dos países ocidentais
desenvolvidos para conjunto cada vez mais assertivo de países em
desenvolvimento em processo de expansão quantitativa e qualitativa.
De
minha parte, capto ao menos um consenso positivo entre os analistas nacionais:
o reconhecimento de que o peso e a projeção do Brasil se alçaram a níveis nunca
antes vistos na história deste país.
Tenho
orgulho do quanto o país avançou nos meus quase 30 anos de carreira. A
complexidade dos desafios, a densidade de nosso papel e as responsabilidades
que assumimos não têm nível de comparação com o universo mais simples da
diplomacia menos arrojada de antanho. Felizmente, a liderança brasileira de
hoje não sofre de vertigem.
GUILHERME DE AGUIAR
PATRIOTA é embaixador e integrante da Assessoria Especial da Presidência da
República.